Gorette Brandão e Simone Franco
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A audiência pública que reabriu os debates sobre o projeto do novo Código Penal nesta quinta-feira (28) mostrou a complexidade da tarefa que terá a Casa para chegar a um texto de ampla aceitação. Um dos mais ativos críticos da proposta em exame (PLS 236/2012), o professor de Direito Miguel Reale Júnior voltou a condenar o projeto, originário de um anteprojeto elaborado por comissão de juristas, chegando a pedir que seja revisto por novo grupo de estudiosos.
- O texto apresenta impropriedades de tamanha grandeza que pode vir a ser objeto de vergonha internacional - advertiu.
A reação do procurador Luiz Carlos Gonçalves, relator da comissão responsável pelo anteprojeto, também foi enfática. Afirmando não se sentir constrangido com críticas ao conteúdo do texto, e admitindo a necessidade de correções, acusou Reale de vir se pronunciando de forma desrespeitosa em relação aos profissionais que integraram a comissão designada pelo Senado.
– Meu pai me ensinou que educação, cordialidade e lhaneza não são mera formalidade, pois indicam a igualdade entre as pessoas - censurou.
Reale citou diversos dispositivos do texto que, a seu ver, são imprecisos ou apresentam problemas técnicos e conceituais. Na Parte Geral, a mais criticada, apontou erros na definição do "princípio da insignificância", utilizado para excluir a punição nos casos de crime patrimonial de pouca expressividade. No projeto, conforme assinalou, o que se exclui é o “fato criminoso” em si, o que seria uma impropriedade jurídica.
- Não se traz doutrina para dentro do código simplesmente para ter modernidade. É preciso deixar consagrado aquilo que não está causando problemas dentro da Parte Geral - recomendou Reale.
O jurista também condenou o fim da figura do livramento condicional, em que o condenado, após o cumprimento de parte da pena de prisão, pode ser posto em liberdade se houver preenchido um conjunto de requisitos. Na sua avaliação, o país corre o risco de ter muito mais gente nas prisões, já que a medida também está sendo acompanhada do aumento das penas para crimes mais violentos. Em sua avaliação, a medida tira do condenado a “esperança” de ter a liberdade pelo esforço de regeneração.
Barganha
Reale criticou, ainda, a instituição da figura da barganha, por eliminar o processo e induzir o acusado, mesmo se inocente, a aceitar uma condenação mínima apenas pelo temor das dificuldades para provar que não tem culpa. Outra ressalva foi ao tratamento dado ao parente envolvido na prática de eutanásia. Reale disse ser favorável à distinção, mas não da forma apresentada, por permitir perdão judicial ao “parente que mata” independentemente de diagnóstico médico.
- Quantos velhinhos vão olhar com desconfiança o suco de laranja que o filho sequioso lhe traz! – comentou.
O jurista apontou ainda a desproporção entre as penas entre diferentes tipos de crime, com excessos em alguns casos e pouco rigor em outros. Diante de cartazes afixados no auditório por entidades que defendem os animais, pedindo punição contra maus tratos, ele citou como exemplos a pena mínima de um mês de prisão por omissão de socorro a criança abandonada e a pena de um ano de prisão para abandono de animal. Com ironia, citou ainda a pena que pode ser imposta no caso de molestamento de cetáceos (baleias e golfinhos), de dois a cinco anos, aplicada em dobro em caso de morte do animal.
- É um passeio pelo absurdo e daí a minha preocupação - disse Reale, mais uma vez defendendo a suspensão do exame do projeto.
Ideias antigas
Para o procurador Luiz Carlos Gonçalves, no conjunto, a avaliação de Reale correspondeu a uma exposição do Direito Penal dos “anos 80”, com ideias que precedem os conceitos da Constituição atual, de 1988. Também salientou que as reformas anteriores no código, em vigor desde 1942, uma delas com a participação de Reale, ocorreram durante regimes de exceção, sem os debates que hoje são possíveis.
O procurador disse ter constatado que as críticas de Reale não alcançam mais do que 5% dos 502 artigos do anteprojeto. Ele condenou a insistência do jurista em vocalizar ataques ao projeto por completo, como se fosse uma “litania”. A seu ver, a postura de Reale ganhou contornos de “instrumento propagandístico vulgar e de baixa qualidade”.
Luiz Carlos Gonçalves negou ainda que a proposta tenha caráter “encarcerador”, como afirma Reale. Em sua opinião, o texto em exame reduz as penas “excessivamente encarceradoras” para muitos tipos de crime. O procurador explicou também que o código vigente possui dois regimes de distensão da pena e, por isso, a comissão excluiu o livramento condicional. Justificou, ainda, as correções na progressão de regime, que passa a ter regras mais rígidas.
- Do mesmo modo que outras pessoas, nós não entendemos o sistema atual, em que a pessoa cumpre apenas um sexto da pena e pode ficar livre. É inconstitucional, não protege o sistema jurídico e a pessoa humana – justificou.
Em diversos momentos, Gonçalves admitiu que o grupo que trabalhou no anteprojeto cometeu erros. Ele citou, como exemplo a inadequada gradação de algumas penas. Esses erros, explicou, poderiam ter sido evitados com mais tempo para a elaboração da proposta. O procurador ressaltou que as falhas podem ser corrigidas pela comissão especial de senadores.
- Quem se não os representantes do povo estariam legitimados para fazer as correções? Não somos infalíveis, nem o papa, embora agora tenhamos acabado de descobrir que ele é renunciável – observou, depois de esclarecer que o conteúdo do anteprojeto foi decidido no voto, ponto por ponto.
Tramitação
O projeto do novo código será debatido em audiências públicas até o fim deste semestre. Depois será reaberto o prazo para apresentação de emendas. O senador Pedro Taques (PDT-MT), relator da matéria, acredita que a votação na comissão ocorrerá até outubro. Em seguida, a matéria passará pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e pelo Plenário, antes de seguir para a Câmara, se aprovado.
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