terça-feira, 4 de setembro de 2012

Código Penal: entre baleias e seres humanos


Bom senso é um conceito usado na argumentação que é estritamente ligado às noções de sabedoria e de razoabilidade,[1] e que define a capacidade média que uma pessoa possui, ou deveria possuir, de adequar regras e costumes a determinadas realidades, e assim poder fazer bons julgamentos e escolhas. Pode, assim, ser definido como a forma de "filosofar" espontânea do homem comum, também chamada de "filosofia de vida", que supõe certa capacidade de organização e independência de quem analisa a experiência de vida cotidiana.

O bom senso é por vezes confundido com a ideia de senso comum, sendo no entanto muitas vezes o seu oposto. Ao passo que o senso comum pode refletir muitas vezes uma opinião por vezes errônea e preconceituosa sobre determinado objeto, o bom senso é ligado à ideia de sensatez, sendo uma capacidade intuitiva de distinguir a melhor conduta em situações específicas que, muitas vezes, são difíceis de serem analisadas mais longamente. Para Aristóteles, o bom senso é "elemento central da conduta ética uma capacidade virtuosa de achar o meio termo e distinguir a ação correta, o que é em termos mais simples, nada mais que bom senso."

Falta de bom senso e razoabilidade é o que não faltou ao promotor de justiça, no artigo abaixo.


Crimes contra a fauna atormentam e levam a sociedade a estado de profunda angústia. É claro que apoiamos o aumento das penas para os crimes contra humanos, porém comparar as penas propostas na intenção de diminuir a gravidade dos danos causados, tentando passar a mensagem de que os animais merecem menos respeito que os humanos é, no mínimo, infeliz.


Lutem pelo aumento das penas para crimes contra os humanos e terão todo o nosso apoio, mas lembrem-se que os animais tem seus direitos garantidos na Constituição Federal, que incumbe ao Poder Público proteger os animais dos atos de crueldade na forma da lei.

CHRISTIANO JORGE SANTOS

Entre omitir socorro a um cão ou a uma criança, deixe para trás a criança. E saiba: o crime compensa, inclusive para os já presos, pois penas diminuirão

A árdua tarefa de reformar uma legislação de 1941 não poderia ser bem sucedida em apenas oito meses. Para a elaboração das propostas do novo Código Penal, não foram realizadas discussões com as principais faculdades de direito do país. Não houve ampla participação das instituições e entidades de classes da área jurídica. O diálogo com a sociedade não foi satisfatório.

As audiências públicas, pautadas principalmente em temas polêmicos como aborto e eutanásia, ofereciam apenas três minutos para a manifestação de cada um dos tantos interessados. O resultado da pressa não poderia ser diferente. O texto legislativo apresenta falhas graves. Trata-se de um código feito por dez advogados, dois procuradores de justiça e três juízes.

Entre os piores erros, destaca-se o ato de reduzir o racismo, o preconceito e a discriminação a fato impune, diante da ausência de sanção.

Há diversas penas desproporcionais. De acordo com o novo dispositivo legal, a vida de um animal vale mais do que a vida humana. Basta confrontar os crimes contra a pessoa (ou contra a dignidade sexual) e os crimes contra a fauna para que se percebam previsões equivocadas.

Pune-se no projeto a omissão de socorro a animais em perigo, com prisão de um a quatro anos. Em contrapartida, a omissão de socorro a um ser humano em idêntica situação gera prisão de apenas um a seis meses, ou multa. Portanto, entre se omitir no socorro a um cão atropelado ou uma criança, é mais vantajoso deixar a criança para trás.

O ato de promover uma "rinha de galos" é punido com dois a seis anos de prisão, pena bem superior ao ato de provocar intencionalmente uma lesão em um humano, que incorre em prisão de seis meses a um ano.

Molestar baleias e golfinhos gera pena de prisão de dois a cinco anos. Molestar sexualmente um adolescente, sem grave ameaça ou violência, deixa o criminoso no máximo dois anos preso. A comissão deixa claro que a proteção penal aos seres humanos é inferior à fauna.

A flora brasileira não teve o mesmo tratamento especial. Embora nossas florestas, especialmente a Amazônica, sejam alvo de cobiça internacional e de desmatamento, destruir inteiramente uma floresta nativa provoca uma reação penal pífia: prisão de três meses a um ano -a mesma pena para quem danificar a vegetação de logradouro público. Arrancar as pétalas de uma rosa na pracinha ou destruir a Amazônia se tornam condutas de igual gravidade.

O uso de drogas também merece destaque. Para a nova lei, deixou de ser crime portar entorpecentes para consumo pessoal -o suficiente para o consumo médio individual por cinco dias.Além da impossibilidade de se definir critérios do que seria "uma quantidade razoável", o novo código abre precedente para o tráfico difuso. Qualquer traficante flagrado com até 25 porções poderá alegar ser um mero usuário. Basta dividir a droga com outros "portadores" para poder traficar em larga escala e, o pior, dentro da legalidade.
Quanto aos delitos patrimoniais, o crime compensa. As penas do roubo simples caíram de quatro a dez anos de prisão para três a seis anos. A pena para roubo com emprego de arma caiu de cinco a 15 anos para quatro a oito anos de reclusão.

Os futuros criminosos serão contemplados com uma liberdade mais célere, inclusive os que já estão presos, já que a lei penal mais favorável ao réu retroage. O atual crime de extorsão -a exemplo da obtenção da senha de cartões bancários em seqüestros-relâmpagos- será considerado roubo por equiparação. Desta forma, não será mais possível somar as penas de roubo e extorsão, o que beneficia (e muito) o réu.
A aprovação do texto do atual projeto de lei representa um enorme risco à segurança jurídica e à sociedade brasileira. Pese a capacidade e o saber jurídico de vários de seus membros, a meritória intenção de reforma gerou várias inovações positivas, mas também maus resultados.

A esperança de evitarmos prejuízos à sociedade brasileira está nas novas emendas ao Projeto. O MP já encaminhou mais de cem propostas de emenda ao Senado Federal para corrigir estes e outros equívocos no novo Código Penal.

CHRISTIANO JORGE SANTOS, 45, é professor doutor de direito penal na PUC-SP e promotor de Justiça
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Folha de São Paulo

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