domingo, 9 de setembro de 2012

Código Penal não pode ser ‘brando’


Deputado Roberto de Lucena (PV) reúne-se com evangélicos para debater ‘discrepâncias’ na lei da reforma penal



Durante visita ao Café com Política, o deputado federal Roberto de Lucena (PV) defendeu uma participação mais ativa da sociedade nas discussões envolvendo o projeto de reforma do Código Penal, que está em tramitação no Senado. Elaborado por comissão de juristas, o texto, na opinião do parlamentar, apresenta graves “discrepâncias” que precisam ser revistas.
Entre os principais pontos criticados por ele estão a descriminalização do porte de drogas, a redução da pena nos casos de eutanásia, a liberação das casas de prostituição, a ampliação das condições para liberação do aborto e o aumento das penas para alguns crimes. O deputado diz ainda que o Código deve prever aplicação de penas alternativas em algumas situações.
Lucena, que é vice-líder do PV na Câmara, reuniu-se ontem com líderes evangélicos em Bauru para expor sua posição em relação à reforma e conclamar a sociedade a discutir o assunto. Além do deputado federal, participaram da visita ao JC o candidato a vereador em Bauru, Arildo de Lima Junior (PSDB) e o prefeito de Agudos e candidato à reeleição Everton Octaviani (PMDB). Veja os principais trechos da entrevista.

JC - Na opinião do senhor, quais são os pontos da reforma do Código Penal que precisam ser melhor discutidos?
Deputado federal Roberto de Lucena -
 Você tem descriminalização das drogas, descriminalização do aborto. Um médico, um psicólogo, no Brasil, não pode receitar um remédio, tem que ser psiquiatra. Mas ele vai poder receitar um aborto. Tem a descriminalização da eutanásia. Você imagina os casos que envolvem grandes fortunas e heranças? Tem a legalização das casas de prostituição. O crime organizado se sustenta de que forma? Onde que ele faz lavagem de dinheiro principalmente? Nos jogos e nas casas de prostituição. O que é que nós estamos fazendo? Nós estamos descriminalizando as drogas. As pessoas podem portar drogas em quantidade até cinco dias, que vai ser considerado para consumo. O traficante loteia e nós estamos também promovendo para ele condição de lavar o dinheiro nas casas de prostituição que nós vamos legalizar. A redução da idade de estupro de vulneráveis para 12 anos, com a discussão de reduzir para dez, sob o pretexto de que a menina brasileira tem uma sensualidade exacerbada e que, aos 12 anos, já está uma mulher. Então, às vésperas da Copa do Mundo, às vésperas das Olimpíadas, nós estamos abrindo as portas do Brasil para o mundo dizendo: ‘Aqui podem pegar nossas crianças’”.

JC - Por que, na avaliação do senhor, ocorreram tantas “discrepâncias” no texto do anteprojeto da reforma? A quem isso interessaria?
Lucena -
 Eu não saberia dizer a você a quem interessaram essas discrepâncias. Eu prefiro imaginar que, na verdade, trata-se de um anteprojeto que não é perfeito, que foi elaborado por uma comissão de juristas de alto nível, de alto gabarito. É um trabalho que merece o nosso respeito e tem uma série de erros que precisam ser corrigidos. E há tempo. Estamos no momento de apresentação de emendas, que é exatamente o que se prevê no rito para que toda discrepância na construção de um documento como esse seja corrigida. Prefiro entender desta forma.

JC - De que forma essas discrepâncias podem ser corrigidas?
Lucena -
 Nesse processo, a Câmara vai ser a Casa revisora. A discussão não está na Câmara, a discussão está no Senado. E o ‘problema’ é que, na Câmara, nós temos bancada evangélica com 76 federais, uma bancada católica organizada. Nas questões de vida e família, nós trabalhamos juntos. Lá não passa. Nós estamos nos oferecendo para os senadores para participarmos das discussões, promovermos audiências públicas e nós vamos estar sugerindo cerca de 600 emendas porque eles, lá, é que vão propor as emendas. A primeira discussão que nós estamos fazendo, enquanto frente da família e frente parlamentar evangélica, é a exiguidade do prazo. Nós entendemos que o prazo para apresentação de emenda e para discussão e votação do Código é muito exíguo, é muito curto. O senador Pedro Taques já acolheu nossa primeira manifestação nesse sentido e já pediu prazo maior. Ele está dando, nesse primeiro momento, mais um mês para apresentação de emendas.

JC - O senhor não considera que algumas mudanças são extremamente necessárias até em razão da idade do nosso Código Penal, que é de 1940?
Lucena - 
Vamos pegar como exemplo a descriminalização do aborto. Nós temos já previsto na Constituição a regra e as exceções e nós entendemos que as exceções contemplam o que deve ser contemplado. Eu vejo com muita preocupação quando nos debates e nas audiências públicas alguns segmentos pró-aborto utilizam os apelos emocionais da quantidade de mulheres que têm morrido nos abortos nas clínicas ilegais pelo Brasil. Eu não vejo que isso seja argumento que justifique a descriminalização do aborto. Eu entendo que devemos trabalhar muito mais em relação ao combate à precocidade do sexo, no combate à gravidez precoce e não planejada.

JC - Como o senhor avalia o ‘peso’ dado pelo texto da reforma aos crimes contra os seres humanos que, em muitos casos, têm penas mais brandas do que crimes contra os animais?
Lucena - 
Eu disse hoje (ontem) em uma reunião pela manhã de uma pessoa que é atacada por um cachorro. É melhor que aquela pessoa se livre do cachorro e bata no vizinho, dono do cachorro, porque se ele bater no dono do cachorro, a agressão com lesão corporal tem pena de seis meses a um ano de detenção mas, se ele bater no cachorro, a lesão corporal com agressão ao animal é de dois a quatro anos. Se uma pessoa remove o ninho de um passarinho, ela pode ser punida com dois a quatro anos de detenção. Já a pessoa que mantém uma criança em cárcere privado é punida por essa barbaridade com seis meses a um ano de detenção. Nós estamos dizendo que é mais grave a remoção de um ninho de passarinho do que manter uma criança em cárcere privado. O abandono de um animal é mais grave, na perspectiva desse Código, do que o abandono de um idoso. A omissão de socorro a um animal é mais grave do que a omissão de socorro a um ser humano. Nós entendemos que devemos proteger os nossos animais. Eu sou do Partido Verde e essa é uma de nossas premissas, é uma de nossas lutas. Eu faço parte da Frente Parlamentar de Defesa dos Animais. No entanto, estamos vivendo, na proposta desse Código, uma discrepância, um entendimento distorcido do que seja a vida humana e a vida animal.

JC - Como trabalhar, na reforma do Código Penal, o aumento no rigor da lei sem deixar de lado os direitos de quem comete um crime?
Lucena -
 Eu defendo a vida em todas as suas dimensões. Por exemplo, eu sou uma das vozes mais combativas no Congresso Nacional contra o infanticídio indígena. A cada ano, 350 crianças indígenas no Brasil são eliminadas, nas diversas etnias, porque nasceram gêmeas, ou de mães solteiras, ou doentes, ou com defeito físico. Elas são enterradas vivas, algumas são afogadas nos rios, outras são sufocadas com folhas de plantas venenosas, numa cultura que, inclusive, nessa proposta de Código Penal, é preservada porque o índio continua inimputável. E se coloca a questão do infanticídio como uma questão cultural. Eu tenho ido repetidas vezes à tribuna dizer que a vida está acima da cultura. Eu sou defensor de penas mais severas para crimes de homicídio e que não conste no Código o desenho do homicídio simples, porque todo homicídio é grave. Defendo também que o furto, o roubo e o assalto sejam mais penalizados. O ministro da Justiça esteve esta semana no Senado, em audiência pública, defendendo a reforma do Código em relação à redução de penas para determinados delitos dizendo que não temos estrutura prisional para todos os detentos do país. Eu entendo que nós estamos, em alguns momentos, brincando com coisa muito séria. Se não temos cadeias suficientes, temos que aumentar e não diminuir penas. Temos que privatizar, temos que ir para um novo modelo prisional.

JC - Qual a opinião do senhor em relação à aplicação de penas alternativas para quem comete um delito de menor potencial ofensivo?
Lucena -
 Devemos ter penas alternativas para algumas situações. Não é possível que aquela pessoa que tenha furtado para comer, para matar a fome do filho, que passou na banca de uma feira e furtou, esteja presa e presa junto com bandidos de alta periculosidade, que cometeram crimes de outra natureza. Eu penso que o Brasil tem que chegar à conclusão de que o crime não compensa em nenhuma esfera. Não é o perdão para o crime, mas é dar condições, num Código moderno e atual, para que o juiz, a quem cabe a aplicação da lei, tenha condições de, em um julgamento caso a caso, avaliar por exemplo essa situação. Eu penso que o crime não pode compensar, as penas têm que ser enrijecidas, mas em alguns casos, como, por exemplo, no furto, deve haver uma alternativa para que aquela pessoa responda criminalmente, seja penalizada, mas não precise ir para a prisão com um assaltante de banco, um homicida, um estuprador. Agora, numa reincidência, ele perde a prerrogativa de ter essa pena alternativa”.

JC - Na última semana, tivemos um assalto a residência em Bauru com uma mulher baleada. Na ocasião, os assaltantes fugiram e o marido da vítima, que tinha um revólver em casa com registro no nome de seu pai, atirou na direção dos acusados para se defender. Como a arma não estava em seu nome, acabou autuado por posse irregular e teve que passar a noite na delegacia e pagar fiança para ser solto.  Como acabar com essa ‘inversão’ de valores no novo Código Penal?
Lucena - 
Isso mostra que temos realmente a necessidade de ter um Código Penal reformado e compreensível. Nós conseguimos promover um emaranhado tão grande na nossa legislação penal que, hoje, estamos diante de circunstâncias e de crimes que são modalidades absolutamente novas. Para cada um deles, a autoridade policial tem uma aplicação da lei. Daí a necessidade, realmente, de nós revisarmos o Código, termos ele compendiado, simplificado, de forma que nós possamos evitar esses episódios em que o agente, em nome da lei, aplica a legislação e, muitas vezes, faz uma leitura distorcida do entendimento da lei”..

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